Por ser frequentemente e tradicionalmente confundido com o Espiritismo original, o "Espiritismo brasileiro é tratado como uma doutrina progressista, altruísta e de certo modo, revolucionária. Mas se entrarmos nos centros "espíritas" ou lermos textos escritos por suas personalidades, vamos perceber que teoria e prática se anulam, por se oporem radicalmente uma contra a outra.
Aqueles que acreditam nos estereótipos atribuídos ao "Espiritismo" brasileiro certamente estranham e se escandalizam quando assistam a famosa entrevista de Chico Xavier ao talk-show Ping Fogo, em 1971, ou quando vê declarações recentes de Divaldo Franco. Em ambos, os supostos médiuns mostram um conservadorismo mais do que retrógrado, quase medieval, que aparentemente vão contra a doutrina. Muitos perguntam: o que está acontecendo?
AS ORIGENS DO "ESPIRITISMO" DETURPADO
Para entender isso, é preciso, além de se despir de estereótipos, conhecer a história do "Espiritismo" brasileiro, sobretudo os seus bastidores. Muito do que se fala em centros "espíritas" é pura especulação e toda a fama de progressista cai por terra quando conhecemos a FEB, suas instituições-satélites e como agem as suas lideranças.
Para entender o conservadorismo do "Espiritismo" brasileiro, a primeira coisa a fazer é saber que a doutrina já chegou deturpada ao Brasil. Ela não é baseada nas obras de Allan Kardec, como se costuma pensar e sim na obra de Jean Baptite Roustaing, principalmente a série Os Quatro Evangelhos.
Roustaing era um advogado de formação católica, nascido na cidade de Bordéus, na França, que acreditava em reencarnação e em comunicação com os mortos. Desejava criar uma doutrina que juntasse dogmas católicos com ideias reencarnacionistas. Entrou em forte atrito com Allan Kardec, que o tratava com respeito, mas sem apoiar as deias do advogado bordelense.
Com o falecimento de Kardec, o Espiritismo original se enfraqueceu, caindo no esquecimento. Nem mesmo na França ele é conhecido. Mas vários brasileiros gostaram da ideia ao tomar conhecimento e resolveram importá-la ao Brasil.
Só que ao importar, preferiram pagar a versão deturpada de Roustaing, pois encaixava como uma luva na crença católica predominante no Brasil. Claro que intelectuais como Angeli Torteroli se esforçavam em tentar assimilar o Espiritismo original de Kardec, mas perderam diante da preferência em manter uma forma que não se chocasse com a crença religiosa vigente.
A CONSAGRAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA DETURPAÇÃO
Personagens como Bezerra de Menezes foram muito importantes para que a versão deturpada se sobressaísse, gerando inúmeras contradições e equívocos. Como além de católico, Roustaing era conservador, não somente a doutrina foi deturpada como o conceito de altruísmo também foi deturpado.
Optou-se por uma forma de altruísmo que fosse apenas paliativa, que não interferisse na ganância dos mais ricos, mas que provocasse nos pobres e excluídos uma espécie de compensação para a dignidade não-alcançada. Para isso, criaram-se vários dogmas para justificar esta forma de caridade.
Entre estes dogmas, há o de que os pobres são reencarnação dos maus (enquanto os ricos são a dos bons), e que a caridade religiosa difere dos programas sociais governamentais. Com o ódio anti-politica imposto pelas ideologias conservadoras, praticamente se supervalorizou a caridade religiosa enquanto se subestima - ou até criminaliza - iniciativas governamentais, muito mais eficientes que a paliativa caridade religiosa.
Isso ajudou na promoção de verdadeiros charlatães que, em nome de uma suposta caridade, ja que eles se empenham em criar instituições de caridade onde pobres residem, mantidos por alimentação básica e cursos profissionalizantes "para peão", que além de não estimular o senso crítico - indispensável para entender a realidade cotidiana -, lançam mão de proselitismo religioso, para tentar "aumentar o rebanho" do "Espiritismo" brasileiro.
"ESPIRITISMO" BRASILEIRO: UMA IGREJA ELITISTA
O verniz de intelectualidade roubado de Allan Kardec deu outra característica ao "Espiritismo" brasileiro, o de ser uma seita elitista. Apesar de não usar de fato a racionalidade kardeciana, há o estereótipo de seu uso, dando um caráter "mais seguro" aos dogmas defendidos pelos "espíritas" brasileiros. Ou seja, se pessoas acreditam na existência de mula-sem-cabeça, "espíritas" alegam possuir meios racionais de comprovar esta crença.
A racionalidade da deturpação "espírita" na verdade serve apenas para autenticar crenças que nascem fora da racionalidade. Há muitos dogmas sem sentido no "Espiritismo" brasileiro e que reforçam seu conservadorismo. Mas como vem acompanhados com o verniz da suposta racionalidade, esses dogmas são tratados como absolutos e inquestionáveis, além de servir para dar ar de superioridade a lideranças e aos próprios seguidores, que se acham mais inteligentes que os fiéis de outras religiões.
Por ser uma seita elitista, com maioria de seguidores de classe média alta e com diploma de nível superior, é mais do que óbvio que os interesses dessas classes iriam se sobrepor ao de outras. O "Espiritismo" brasileiro nada tem de altruísta. Seus seguidores praticam caridade somente em troca de uma salvação espiritual ou apenas de promoção social, para ficar com uma boa imagem diante de outras pessoas.
ELITISMO EXPLICA CONSERVADORISMO
O conservadorismo mostrado por Chico Xavier e por Divaldo Franco, além da postura assumida pela FEB em inúmeras publicações, tem muito a ver com a proteção aos interesses dessas classes. Para os mais carentes, considerados como "reencarnação dos maus", reserva-se apenas o mínimo. Que os pobres e virem se quiserem algo que lhes dê a verdadeira dignidade ou se conformem com aquilo que é dado pelos "espíritas", aquilo que só serve para manter o organismo em funcionamento.
Por isso que os "espíritas" se assumiram conservadores, condenam projetos de inclusão social - medo da concorrência? - e apoiaram o golpe, criminalizando o maior responsável pelo grande projeto de inclusão social, o ex-presidente Lula. É compreensível - mas não aceitável - que Lula não tenha recebido uma só visita de algum "espírita".
"Espíritas" e neo-pentecostais se odeiam mutuamente, mas na política e na defesa da ganância capitalista resolveram se dar as mãos. No fundo, Divaldo Franco e Silas Malafaia se amam mutuamente. De paixão.
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